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Um Prelúdio: Sobre o Obscuro Objeto do desejo

  • Foto do escritor: Ana Celeste Alves Casulo
    Ana Celeste Alves Casulo
  • há 4 dias
  • 3 min de leitura
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O que é o desejo, senão um movimento perpétuo em direção a algo que, por definição, se furta? Essa pergunta, central na psicanálise, encontra uma de suas expressões mais perfeitas e perturbadoras no título O Obscuro Objeto do Desejo (Cet obscur objet du désir), obra derradeira do mestre do surrealismo, Luis Buñuel. Por trás do filme, no entanto, ecoa outro obscuro objeto: o romance Esse Obscuro Objeto do Desejo - Pierre Louys de Pierre Louÿs, de 1898. Juntos, livro e filme constroem uma alegoria magistral sobre a natureza do desejo humano, que não é a de possuir um objeto, mas a de perseguir incessantemente um enigma. O Enigma Encarnado: Conchita

Tanto no livro quanto no filme, a narrativa gira em torno da obsessão de um homem maduro, Mathieu (Don Mateo, no livro), por uma jovem mulher elusiva e volátil, Conchita. Ela não é uma personagem, mas uma função: a de objeto a, na terminologia lacaniana. O objeto a não é o ser amado, mas aquilo dentro do ser amado que incita o desejo e, ao mesmo tempo, impossibilita sua satisfação. É a parte não simbolizável, o recanto obscuro que atrai o olhar e promete um gozo total, mas que sempre se retira no momento culminante da posse.

A genialidade de Buñuel foi tornar essa obscuridade literal. Ele filmou Conchita sendo interpretada por duas atrizes radicalmente diferentes (a morena e sensual Ángela Molina e a loira e etérea Carole Bouquet). Essa decisão não é um mero artifício estético; é a tese central do filme. O objeto do desejo não tem uma essência fixa. Ele é uma projeção fantasmática do sujeito que deseja, mudando de forma, humor e identidade conforme a necessidade de manter o desejo em movimento. A cada vez que Mathieu pensa tê-la alcançado, "Conchita" se revela outra, reafirmando sua condição de mistério in Se Buñuel e Louÿs exploraram o obscuro objeto do desejo através da narrativa e da imagem em movimento, Camille Claudel o fez através da matéria sólida da escultura. Suas obras, como L'Âge Mûr (A Idade Madura) ou La Valse (A Valsa), encapsulam dinâmicas de desejo, perda e impossibilidade tão intensas quanto as representadas por Conchita.

Em L'Âge Mûr, vemos uma alegoria angustiante do triângulo amoroso: uma figura feminina (a própria Claudel) ajoelhada, suplicante, tentando em vão reter um homem (Rodin) que é levado para longe por outra mulher, alegoria do destino inevitável. A escultura congessa o exato momento em que o objeto de desejo se retira, tornando tangível a agonia da falta e a impossibilidade da posse definitiva. Assim como Conchita, o homem esculpido por Claudel é um objeto que se furta, um significante de um desejo irrealizável.

Claudel também subverte a noção do corpo feminino como objeto passivo do olhar masculino. Suas figuras femininas, como em Les Causeuses, não estão disponíveis para o espectador; elas estão imersas em seu próprio mundo, voltadas umas para as outras, fechadas em sua própria subjetividade. Elas se recusam a ser objetos a para o olhar do outro, afirmando-se como sujeitos desejantes por direito próprio. Esta autonomia é, em si, uma forma de obscuridade – um enigma que se recusa a ser decifrado pelo olhar masculino, ecoando a resistência fundamental de Conchita. Isto implica dizer que a obscuridade essencial tanto Buñuel quanto Claudel, cada um em sua linguagem artística, chegam à mesma conclusão lacaniana: o verdadeiro objeto do desejo é intangível. Em Buñuel, ele é representado pela duplicidade de Conchita e pela lógica do impedimento. Em Claudel, ele é materializado na forma que captura o instante da retirada, do quase-mas-não-quite. Se o cinema de Buñuel nos mostra que o desejo é sustentado pela troca de semblantes, a escultura de Claudel nos mostra o peso material dessa falta. Juntos, eles demonstram que o "obscuro objeto do desejo" é, em última análise, o vazio estrutural que nos constitui – e que tanto a arte quanto o amor são tentativas eternas e necessariamente frustradas de lhe dar uma forma.


 
 
 
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