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Sentimento de Culpa em Winnicott

  • Foto do escritor: Ana Celeste Alves Casulo
    Ana Celeste Alves Casulo
  • há 4 dias
  • 2 min de leitura

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Em Winnicott, o sentimento de culpa não é um afeto moralizante, tampouco um simples remorso derivado de transgressões reais ou imaginárias. Ele emerge como um marco do amadurecimento emocional, sinal inequívoco de que o sujeito já ultrapassou o estágio de dependência absoluta e começa a reconhecer o outro como um objeto total.

Para Winnicott, o bebê inicia sua vida psíquica em um estado em que o objeto é parcial e subjetivo: o seio é sentido como extensão do próprio gesto, algo criado por ele na onipotência primária. À medida que o ambiente falha de maneira suficientemente boa — nem colapsa, nem invade — ocorre o que Winnicott chama de desilusão gradual. Nesse processo, o bebê começa a perceber que o objeto tem existência própria e que suas agressões fantasísticas dirigidas ao objeto não são simplesmente descargas motoras, mas têm consequências imaginárias para alguém que ele ama e de quem depende.

O sentimento de culpa surge exatamente nesse ponto: como resposta à integração de amor e ódio dirigidos ao mesmo objeto. O bebê começa a reconhecer que seu impulso agressivo poderia ferir esse objeto total, o mesmo que também lhe proporciona cuidado e continuidade de ser. Ele passa, então, a desejar reparar. A culpa, nesse sentido, é o motor da tendência reparadora, uma capacidade psíquica fundamental para a vida relacional adulta. Sem culpa, não há responsabilidade afetiva; sem responsabilidade, não há possibilidade de viver no espaço transicional do encontro humano.

O gesto de reparar, para Winnicott, é um esforço criativo que sustenta a ilusão de que o objeto pode ser restaurado; ele só se constitui como gesto verdadeiro quando encontra um ambiente que sobreviva à agressão e aceite a reparação. Se o ambiente colapsa (por fragilidade materna, intrusão ou inconsistência), o sentimento de culpa não amadurece: transforma-se em culpa persecutória, vivida como ameaça, ou em culpa patológica, que paralisa em vez de gerar criatividade.

Portanto, a culpa winnicottiana nada tem de punitiva. Ela é um índice de saúde, uma potência relacional. Sinaliza que o sujeito já integra ambivalência, que o ódio não destruiu o amor, e que o mundo interno pode acolher a alteridade sem que isso equivalha a aniquilamento. É a passagem entre o uso do objeto e o reconhecimento de que o objeto existe para além da fantasia: momento em que o sujeito, finalmente, pode amar alguém inteiro — e, por isso mesmo, sentir culpa.

 
 
 
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