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Entre a culpa e o sujeito: a questão da identidade na universidade contemporânea

  • Foto do escritor: Ana Celeste Alves Casulo
    Ana Celeste Alves Casulo
  • há 4 dias
  • 2 min de leitura
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Introdução


Nas últimas décadas, a universidade se tornou um dos principais espaços de debate sobre diversidade, inclusão e reparação histórica. Esse movimento é legítimo e necessário, pois busca corrigir séculos de exclusão de vozes negras, indígenas, femininas e LGBTQIA+. No entanto, ao mesmo tempo em que produz avanços, ele também gera efeitos colaterais subjetivos: um sentimento de culpa ou deslegitimação entre aqueles que não pertencem a grupos minoritários, como pessoas brancas e heterossexuais.

Este texto propõe refletir, a partir da psicanálise, sobre o modo como o discurso identitário pode capturar o sujeito e reduzir sua complexidade, produzindo sofrimento psíquico e desamparo simbólico.


1. O sujeito e a identidade


A psicanálise distingue o sujeito do inconsciente das identidades sociais.

Enquanto a identidade é uma construção imaginária e simbólica, o sujeito é marcado pela falta, pelo desejo, e não se confunde com as classificações históricas.

Quando o discurso social impõe categorias rígidas — “a mulher branca”, “o homem negro”, “a pessoa trans”, “o privilegiado” —, ele tende a apagar a singularidade do sujeito e a colocá-lo em posição de objeto de julgamento.

O “eu” se vê obrigado a se defender, a justificar sua existência, perdendo o direito de falar desde o desejo e não desde o rótulo.


2. A culpa como efeito do discurso moral


O que aparece hoje na universidade como “culpa branca” ou “culpa heterossexual” pode ser compreendido, em termos psicanalíticos, como um efeito superegóico.

O supereu, instância moral inconsciente, exige satisfação impossível: ele manda “fazer o bem” e, ao mesmo tempo, castiga por qualquer falha.

Assim, o sujeito é levado a se justificar incessantemente — não porque tenha cometido algo, mas porque o discurso dominante o interpela como culpado apenas por ocupar certo lugar simbólico.

Essa dinâmica produz angústia, ressentimento e paralisia do pensamento crítico.


3. O retorno do mesmo: o discurso que repete o que critica


Paradoxalmente, quando o discurso identitário transforma a diferença em moral e o lugar social em destino, ele repete o gesto opressor que diz combater:

nega o sujeito, impõe um ideal de pureza e delimita quem pode falar e de onde.

A exigência de “justificar-se por ser branco ou heterossexual” é uma forma contemporânea de segregação simbólica, travestida de consciência política.

Lacan chamaria isso de retorno do discurso do mestre, agora sob a roupagem da militância.


4. Reconhecer sem reduzir


A saída não está em negar as desigualdades históricas nem em recusar o debate sobre raça, gênero e sexualidade, mas em reintroduzir o sujeito na conversa.

Reconhecer o contexto histórico é diferente de se identificar com ele como culpa.

A ética da psicanálise consiste em sustentar o lugar do desejo — o direito de cada um ser sujeito de sua palavra —, sem se deixar capturar pelo olhar que julga, classifica ou exige expiação.


Conclusão


A universidade deveria ser um espaço de elaboração simbólica, e não de justificação moral.

Ser branca, heterossexual, negra, indígena, trans ou qualquer outra identidade não define o valor do sujeito nem o lugar de sua fala.

O desafio ético contemporâneo é deslocar o foco da culpa para a responsabilidade subjetiva — que não se mede pela origem, mas pela forma como cada um responde ao seu desejo e ao outro.

Apenas assim será possível transformar a culpa em escuta e o conflito em pensamento.




 
 
 

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